O PRINCÍPIO DO ICEBERG, OU POR QUE A EMBALAGEM É APENAS A PARTE EMERSA

Como cultivar aquela visão que permite enxergar o volume todo...



Enquanto a embalagem representa a parte visível do iceberg, o ciclo de vida do produto e os seus impactos ficam invisíveis. Embora muito maiores, ficam escondidos abaixo da linha de visão. Eis o princípio do iceberg, a base de qualquer reflexão sobre embalagem e sustentabilidade.
  
Os impactos dos produtos ficam longe dos nossos olhos, leigos, desconhecedores, ignorantes que somos das complexas etapas que constituem as cadeias de produção e de distribuição. 

Resgatar a história de cada produto, como todos os seus impactos em termos de consumo de recursos e geração de resíduos, não é uma tarefa simples. Implica em um bom conhecimento dos processos 
à montante. Requer certas bases técnicas, muitas vezes contra-intuitivas. E para complicar, as informações ainda mudam com o tempo e de produto para produto. Um especialista pode desenvolver esta habilidade, mas certamente não se pode esperar o mesmo de cada consumidor.

E para quem não for se submeter a este exercício
de pensamento de ciclo de vidaé a embalagem e apenas a embalagem que aparece na superfície. Quando acabou de cumprir a sua função, ela fica, sobrenadandoinútil e dispensável. É a ponta do iceberg.
  
Esta metáfora do iceberg já é usada para representar vários conceitos. Um deles é o contraste entre o consciente e o inconsciente: o consciente seria apenas a parte visível de um sistema muito maior cujos principais mecanismos se escondem nas profundezas da mente. Cabe então uma analogia entre o funcionamento do nosso cérebro e as cadeias de distribuição dos produtos. Para o consumidor, o resíduo de embalagem é a única parte consciente do sistema. Todo o restante fica enterrado no seu inconsciente, fora do alcance natural da sua mente.

Quando congela, a água fica menos densa. É por isso que o gelo boia na água. Se fosse mais denso, ia afundar. Na passagem da fase líquida à fase sólida, a densidade diminui de aproximadamente 10%. Além disso, o iceberg é geralmente constituído de água doce e a água do mar é salgada, mais densa. 
Por isso, cerca de 10% do volume do iceberg ficam acima do nível da água. E os outros cerca de 90% ficam imersos.

Estimando a pegada energética total de qualquer sistema alimento-embalagem, encontre-se geralmente um
a proporção similar, ou seja, cerca de 10% da energia embutida na embalagem e 90% no alimento. Obviamente, isso varia de produto para produto. Mas a regra dos 10/90 é uma boa estimativa.

Em termos de emissões de gases de efeito estufa, a diferença entre a embalagem e o alimento embalado costuma ser maior ainda. E em termos de água, a proporção está mais próxima dos 1/90, ou mesmo dos 1/900, ou seja, uma ou até duas ordens de grandeza maior do que no caso das pegadas energéticas ou de carbono. De fato, a produção de embalagens, e especialmente de embalagens plásticas, requer geralmente muita pouca água, ao contrário da produção de muitos alimentos.


Nossa percepção de consumidor é falha. Expandir o nosso entendimento e passar de uma visão predominantemente emocional para uma visão predominantemente técnica requer um esforço intelectual totalmente fora do nosso contexto prático de interação com as embalagens.


Portanto, há de tomar muito cuidado com a síndrome do Titanic
este mau costume que temos de nos deixar enganar pela nossas percepções distorcidas, de aceitar apenas o que for conveniente ou de não querer enxergar a realidade quando não convém. Esta síndrome leva sistematicamente a decisões erradas. E as consequências podem ser graves, como embalagens pensadas de forma errada e que irão provocar grandes perdas de produtos ao longo das cadeias.
  
Stöwer Titanic
Gravura por Willy Stöwer: O naufrágio do Titanic

Dado a importância do tema, tanto em termos sociais quanto econômicos e ambientais, às vezes com milhões de unidades distribuídas por mês, algumas destas consequências podem ser muito sérias, tão dramáticas quanto verdadeiros naufrágios...




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Teddy Lalande. Set/2015.

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