QUE DESTINO DAR ÀS EMBALAGENS INDIVIDUAIS DE KETCHUP E MAIONESE?

Como qualquer pergunta aparentemente simples, a busca da resposta correta exige certa reflexão...

E aí, não vai me reciclar?


Dois dias atrás, esta pergunta do título veio como comentário abaixo do post 'já testemunhou desperdício de sachês de maionese e ketchup em lanchonete?'. Agradeço à autora, Abigail Queiroz.
   
A resposta básica é simples: « o destino correto destas embalagens é o aterro sanitário! ». Mas abre oportunidades para várias explicações importantes...



1. A (silenciosa) crise de gestão dos resíduos brasileiros


Como se vivessem dentro de uma grande lixeira a céu aberto, muitos Brasileiros (de todos os tipos) jogam resíduos na rua, desde bitucas de cigarro até papéis de bala e embalagens de salgadinhos, passando por geladeiras e sofás quebrados.

Mas estes lançamentos in natura são apenas a ponta do iceberg. O problema é muito maior. Entre um terço e metade de todos os resíduos domésticos brasileiros nem alcançam aterros!

Não dá para saber a proporção exata, justamente porque estes resíduos não são gerenciados. Não há gestão. Não há controle. Não há pesagem. Estes resíduos acabam em lixões ou, pior ainda, jogados por aí em qualquer lugar (Diagnóstico dos Resíduos Sólidos Urbanos, IPEA, 2012).

Assim, a cada 3 sachézinhos consumidos no Brasil, pelo menos 1 acabará num lixão, junto com todos os resíduos imagináveis, desde óleo usado até lâmpadas quebradas, passando por restos de produtos de limpeza e medicamentos vencidos.

Um dos lixões de Brasília em 2012

Isso não é somente incorreto ou ilegal. É bastante grave. A escala do desastre, principalmente, assusta. Afinal, cada um dos cerca de 200 milhões de Brasileiros gera mais de 1 kg de resíduo por dia, somando assim pelo menos 25 milhões de toneladas anuais de resíduos dispostos de forma incorreta. Mas assustam também as consequências, terríveis em termos ambientais e de saúde pública: incluem estas incontáveis contaminações de solos e águas subterrâneas, muitas vezes sem chance de remediação, bem como estes inevitáveis arrastes pelas chuvas, para os rios e córregos e, in fine, para os oceanos. 

E como para o restante da grave crise de saneamento básico que assola boa parte do Brasil (por exemplo, cerca de 60% dos esgotos do país ainda não recebem tratamento), o principal responsável ainda é o 'geralmente péssimo' setor público.

Não sei você, mas, que seja nas escolas ou na mídia, me parece que se fala muito mais de reciclagem do que desta desastrosa gestão básica dos resíduos. Não é que reciclar não seja importante, mas constitui apenas uma opção de otimização de um sistema que, no caso, não atende nem os requisitos mais básicos. Por que então esta discrepância entre discurso e prioridade? Tenho algumas pistas de reflexão (distorção desejo/realidade, síndrome da 'verdade inconveniente', ...), mas servirão para outro post. Aliás, sugestões são sempre bem-vindas.
  
  

2. Por que não reciclar os mini-sachés?


Tecnicamente, os sachezinhos plásticos podem sim ser reciclados, como, aliás, praticamente qualquer material, qualquer tipo de embalagem. Tanto é que todos os resíduos de produção destas embalagens, os chamados resíduos pré-consumo (ou aparas), costumam ser reciclados mecanicamente.

Mesmo assim, não são praticamente nunca reciclados como resíduos pós-consumo, nem mesmo na Suécia, país referência em gestão de resíduos. O motivo não é o tipo de material plástico em si (repito que as aparas são quase sempre recicladas), mas sim uma combinação de dificuldades práticas, principalmente associadas à logística e à lavagem. 

E aí, não vai me reciclar?
Considerando que o valor de venda de 1 kg de resíduos plásticos pós-consumo mistos não passa de R$ 1,00,  e que cada sachê pesa apenas alguns poucos gramas, quantos sachês precisaria juntar para justificar o trabalho de coleta? A resposta mínima está na ordem dos dez mil sachês por pessoa e por dia... Além disso, consegue imaginar quanto custa a instalação e a manutenção de um processo de lavagem que possibilite a regranulação destes resíduos plásticos sujos? E ainda tem que viabilizar a utilização da resina obtida em alguma peça reciclada comercialmente viável, certo?
    
Infelizmente, todos estes processos são necessários e inviabilizam a reciclagem mecânica deste tipo de resíduos pós-consumo.


3. Qual é o impacto ambiental de não reciclar resíduos plásticos flexíveis?


Como vimos acima, jogar qualquer resíduo in natura ou num lixão (no fundo, estas duas práticas se equivalem) constitui um crime ambiental amplamente praticado e tolerado no Brasil. 

Mas destinar um resíduo plástico para um aterro sanitário praticamente não gera qualquer impacto ambiental, a que não seja o espaço que ocupa. 


Nas profundezas anaeróbicas de um aterro, plásticos convencionais (ou seja, não degradáveis) permanecem inertes durante MUITO tempo. Ao contrário de muitos outros resíduos domiciliares, como, por exemplo, os restos de alimentos putrescíveis, estes plásticos não lixiviam e não geram gases. Produzidos a partir de um produto fóssil que permaneceu imobilizado no subsolo durante milhões de anos, no aterro praticamente voltam a esta mesma condição inerte.
Exemplo do polietileno, bastante estável nos aterros


Aliás, o equivalente a menos de 10% do petróleo mundial serve para produzir plásticos. E a maioria destes plásticos não servem para fabricar embalagens. Basta pensar nos carros, nas centenas de kg de plástico dos seus interiores, nas dezenas de litros de petróleo que carregam nos seus tanques para queimar nos seus motores, e no asfalto dos milhares de km de estrada que percorrem.
  
Se deixar de reciclar uma embalagem plástica não constitui em si só um impacto ambiental significativo, constitui sim uma 'ineficiência'. Incapaz de ser reaproveitada para servir outro propósito no final do seu ciclo de vida original, o sachê caracteriza um processo linear. E, no caso dos plásticos convencionais, caracteriza também uma prática industrial insustentável a longo prazo. O gás e o petróleo são recursos finitos. Não-renováveis, vão acabar um dia. E naquele dia, não será mais possível fabricar embalagens plásticas desta maneira, tendo então necessariamente que utilizar outras fontes de matéria-prima, como o PE verde da Braskem.
  
  

4. Vamos priorizar as prioridades?


Embalagens flexíveis complexas, como os sachés de ketchup ou maionese, representam apenas uma fração muito pequena dos resíduos sólidos urbanos. Não há dados no Brasil, mas nos EUA, por exemplo, estudos mostraram que representam menos de 2% do volume total (FPA, 2014).
  
Defender uma economia circular é bastante nobre; mas é também bastante fácil em teoria. A realidade é mais complexa. Reciclar é muito importante, sem dúvida; mas não pode ser um fim em si só. Questões de reciclagem devem sempre ser analisadas caso a caso, e sempre dentro de um contexto mais amplo. Para analisar ambientalmente uma determinada embalagem, por exemplo, é fundamental sempre seguir o princípio do iceberg, ou seja, avaliar em primeiro lugar a proteção conferida ao produto embalado.
  
Assim, antes de se preocupar com a reciclagem pós-consumo das embalagens flexíveis complexas, algo que ainda não existe em nenhum lugar do mundo (salvo iniciativas pontuais financiadas), e que países como a Suécia resolveram com o reaproveitamento energéticoo Brasil deveria prioritariamente destinar os seus recursos limitados para:
  
  1. Universalizar a coleta de resíduos domiciliares que hoje ainda deixa de fora mais de 10% dos Brasileiros, ou seja, uns 20 milhões de pessoas (Governo, 2015);
  2. Eliminar os lixões que ainda recebem entre um terço e metade de todos os resíduos sólidos urbanos, ou seja, dezenas de milhões de toneladas por ano (IPEA, 2012);
  3. Instituir programas efetivos de coleta seletiva municipal, que hoje alcançam menos de 15% da população (Cempre/Ciclosoft, 2016);
  4. Aumentar os índices de reciclagem dos materiais mais facilmente reaproveitáveis.

Apesar de sucessos como na reciclagem das latas de alumínio e das garrafas PETo Brasil ainda reaproveita menos de 10% dos seus resíduos sólidos urbanos, que seja por reciclagem (<8%), compostagem (<1%) ou revalorização energética (0%) [Governo, 2015].
  

5. Existem outras opções ambientalmente melhores que os sachês para distribuir e consumir ketchup e maionese?


Outras opções envolvem garrafas descartáveis ou garrafas reutilizáveis, geralmente com pequenos recipientes descartáveis. As questões de higiene e segurança alimentar são cruciais, especialmente em espaços públicos. Avaliações de ciclo de vida seriam necessárias para poder julgar cada opção a partir de dados ambientais quantitativos.
   
Não conheço estudos específicos a respeito, mas vale lembrar, por exemplo, que lavar recipientes alimentícios gasta bastante água potável, um aspecto provavelmente mais crítico em várias regiões brasileiras do que a escassez de espaço para aterros sanitários; e que as embalagens flexíveis são muito mais leves, costumam usar menos material (70% neste exemplo do Sou da Natura) e gerar muito menos resíduos que alternativas rígidas, que sejam plásticas ou de outros materiais.
   
Outra solução seria não mais consumir ketchup ou maionese? Mas isso é outra discussão...
   
   

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